Bob Dylan - Together Through Life

Tal como é a própria vida, Bob Dylan está sempre a nos surpreender, e não há nada a dizer a não ser de que ele simplesmente nasceu pra isso. Dylan, surpreendeu-nos em meados dos anos 60, renunciando de sua carreira como profeta da nascente contracultura, surpreendeu no final da década de 70, com sua conversão ao cristianismo, surpreende mais tarde, no final dos anos 80, quando forma o super-grupo Traveling Wilburys, juntamente com o ex-beatle George Harrison e outras figuras não menos importantes... Enfim, o fato é que Dylan parece incansável e mais uma vez, como já era de se esperar, surpreende-nos. Seu novo disco - Together Through Life - lançado ontem, 28 de abril, é a prova viva, ou melhor, auditiva de que Robert Allen Zimmerman, o velho Dylan, veio a este mundo para cantar, fazer sua história e deixar pessoas boquiabertas.

Em 5 décadas de carreira e entre 30 e poucos discos (de estúdio) lançados, Dylan nunca soou tão devastado, chateado, enérgico e esperançoso ao mesmo tempo. As letras das canções desse novo disco, talvez, para os fãs mais puritanos, apreciadores do Dylan poeta, podem soar diferentes, pois, são em pelo menos metade, contos da vida de um Americano-ordinário-qualquer, vivendo desgostos, desejos e remorsos, personagens fictícios da América que faz fronteira com o México, em um elenco que conta com pretendentes sensuais (em Jolene), maridos maltratados (em My Wife's Home Town) e bêbados arrependidos (em If You Ever Go To Houston).

São dez faixas, em que Dylan as desliza com o magnetismo da voz cansada de seus 66 anos de idade, que acaba somente por tornar as narrativas ainda mais verdadeiras e um canto golpeado como a muito não se via. Together Through Life te fisga logo no pantanoso blues rock da da primeira faixa, a Beyond Here Lies Nothin' (talvez a melhor de Dylan em vários anos), e não te deixa sair até o fim da mistura de acordeon, guitarra e sarcasmo da faixa que fecha o disco, a bela It's All Good. Passando pela fusão de violino e novamente o acordeon - que pode ser considerado uma das estrelas do disco - da faixa This Dream Of You, o rock clássico e distorcido de Shake Shake Mama e pelo lento machucar de Life Is Hard, em que Dylan, junto com um triste bandolim canta com sua voz pungente e arranhada. Sem esquecer também do leve balanço de I Feel a Change Comin' On, que mescla muito bem o country, o soul, e toda essa essência do lugar de onde ele veio e onde quer chegar, mesmo que pareça não saber muito bem onde é isso.

Como disse o próprio Dylan no documentário "No Direction Home" de 2005, sobre sua vida, "Nasci muito longe de onde eu supostamente deveria estar... e portanto estou sempre a caminho de casa, sabe?" Bem, Together Through Life é isso, é essa procura. Um disco rústico, nostálgico feito de country, blues, baladas e um rock'n'roll puro, de sua primeira geração. Um disco de volta as raízes, mesmo que Dylan nunca tenha se afastado muito, nem por muito tempo delas. E apesar de explorar esses tais clássicos gêneros musicais citados, o velhinho não fez soar-se nenhum pouco estagnado e nem parece descansar sob o rótulo de lenda viva da música contemporânea.

Bob Dylan, fez-se tradicional, como um vinho amadurecido e saboroso.
E nesses tempos de mudanças, onde certos valores ficaram pra trás, é sempre bom ver alguém revivendo um passado que vale a pena, procurando raízes, tentando simplesmente uma volta pra casa, mas sem esquecer de olhar pra frente e reinventar-se. Esse é Dylan e sua mais nova obra; o Juntos Pela vida ou Together Through Life, como preferir.